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Liberdade de expressão, a política e a indisponibilização de conteúdos da Internet.

Liberdade de expressão e indisponibilização de conteúdos da Internet é o tema comentado por Ricardo A. Kanayama.

A política, a liberdade de expressão e a indisponibilização de conteúdos da Internet.

Antes de falarmos de liberdade de expressão na internet e indisponibilização de conteúdos, cabe entendermos um fato que nos leva a este assunto. A Reforma Política (Lei 13.488/2017 que altera a Lei 9.504/1997) aprovada nesta última semana trouxe novas regras para as eleições de 2018, envolvendo questões relevantes como o fundo especial de financiamento de campanha, arrecadação de recursos, desempenho eleitoral mínimo para partidos, modos de fazer campanhas e de regular os debates nos meios de comunicação. Porém, o fato que mais chamou a atenção foi uma proposta de alteração no capítulo da propaganda eleitoral na Internet que acrescentava ao art. 57-B o seguinte parágrafo 6º:

“A denúncia de discurso de ódio, disseminação de partido, coligação, candidato ou de habilitado, feita pelo usuário de aplicativo ou rede social na internet, por meio do canal disponibilizado para esse fim no próprio provedor, implicará suspensão, em no máximo 24 horas, da publicação denunciada.”

Traduzindo: o dispositivo permitia a qualquer pessoa denunciar um determinado conteúdo disponível na Internet como “discurso de ódio”, de modo que, uma vez notificado deste fato, o provedor deveria suspender (igual a indisponibilizar ou remover) o conteúdo em até 24 horas. O motivo apresentado pelo autor da proposta, Deputado Áureo (RJ), do Partido Solidariedade foi de que o dispositivo seria necessário para coibir as denominadas “fake news” (notícias falsas), bastante discutidas na última eleição nos EUA.

liberdade de expressão

A alteração, porém, foi vetada pelo Presidente Michel Temer. Veto, aliás, pedido pelo próprio autor da proposta ao ver que as manifestações contrárias de vários setores da sociedade poderiam prejudicar seu desempenho nas urnas. Inegavelmente, as “fake news” são uma realidade na Internet, sendo utilizadas com diversas motivações: pessoais (vinganças após o término de um relacionamento afetivo), profissionais (espalhar mentiras sobre colegas de trabalho), de ordem pública (como mentiras sobre candidatos em eleições).

Porém, a “solução” encontrada pelo Deputado não somente é ineficaz, mas acima de tudo, perigosa e ilegal. É perigosa, porque o mecanismo de “denúncia de discurso de ódio” carece de objetividade, permitindo que qualquer conteúdo possa ser acusado de “discurso de ódio”, ainda que não o seja de ódio ou não tenha qualquer relação com a política. Igualmente, os provedores seriam obrigados a indisponibilizar todo que qualquer tipo de conteúdo denunciado a fim de evitar futura responsabilização civil.

Contudo, acima de tudo, propostas como esta apresentada são ilegais, para não dizer desde logo que são inconstitucionais. O legislador já teve oportunidade de rechaçar mecanismos que objetivam suspender, remover, indisponibilizar conteúdos da Internet com meras “denúncias”, também conhecido como sistema de notificação e retirada. Em 2014, ano de promulgação da Lei 12.965, mais conhecida como Marco Civil da Internet, optou-se pelo sistema de ordem judicial para que um conteúdo produzido por terceiro seja indisponibilizado da Internet:

“Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”

Lê-se, então, que a responsabilidade civil do provedor de Internet só se inicia, em relação à licitude (ou não) de conteúdo gerado por terceiro, após ordem judicial determinando a ele, provedor, que indisponibilize determinado conteúdo. O motivo desta opção é assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, pois caso a responsabilidade do provedor se iniciasse com uma mera notificação, este seria incentivado a indisponibilizar todos os conteúdos denunciados (ou não). Daí porque a própria Lei Eleitoral acolheu a mesma lógica em seu § 4º, do art. 57-B:

“§ 4o. O provedor de aplicação de internet que possibilite o impulsionamento pago de conteúdos deverá contar com canal de comunicação com seus usuários e somente poderá ser responsabilizado por danos decorrentes do conteúdo impulsionado se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente pela Justiça Eleitoral.”

Esta lógica de responsabilização encontrada pelo Marco Civil da Internet decorre do fato da liberdade de expressão ser princípio e objetivo central quando se pretenda disciplinar a Internet, garantindo a ela o mesmo status que tem na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, IV e IX). Daí porque propostas como esta apresentada pelo Deputado Áureo, ainda que “bem intencionadas para evitar fake news”, não podem ser aceitas. Problemas relacionados aos discursos de ódio e às fake news devem ser coibidos e seus autores devem ser punidos, com eventual reparação civil, contanto que isto seja feito no Judiciário.

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