“Cerveja não é tudo igual”. Tampouco a identidade visual da marca deve sê-lo. Ricardo A. Kanayama

Decisão judicial reconhece concorrência desleal diante da semelhança na identidade visual de marcas de cerveja.

Identidade Visual

Se antes tínhamos um punhado de marcas, quase todas ofertando o mesmo estilo de bebida e com um gosto similar, hoje este cenário é radicalmente diferente. Novos produtos de marcas nacionais e estrangeiras, novos estilos de bebida, novos estabelecimentos especializados em cervejas, eventos, confrarias, sites e grupos na internet (…). Em suma: um novo público, um novo mercado.

Obviamente, este fenômeno é um alento aos apreciadores. Cerveja de milho, jamais. Porém, nas gôndolas das lojas, o consumidor iniciante pode facilmente se perder ao se deparar com a variedade de produtos. Perder-se pode, mas jamais ser confundido em relação a uma marca de cerveja. Exatamente isto que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) entendeu em caso envolvendo duas marcas de cerveja.

A marca Duvel alegou que a marca Deuce tinha aparência ­muito similar a sua, fato que poderia confundir e desviar a clientela, caracterizando, assim, a concorrência desleal, vedada na Lei 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial – LPI). As semelhanças, segundo a Duvel, estariam presentes no formato da garrafa, na fonte tipográfica, nas cores utilizadas e até mesmo no significado das marcas (ambas conceituam “diabo”).

Para resolver o caso, a Décima Primeira Câmara Cível do TJRJ, interpretou o significado do artigo 124, inciso XIX, da LPI, que estabelece o que não é passível de ser registrado como marca:

“Art. 124. Não são registráveis como marca:

(…)

XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia.”

A partir deste dispositivo da LPI, a decisão (leia aqui) utilizou-se como fundamento o “Teste 360º”, no qual 7 (sete) critérios são verificados a fim de saber se as duas marcas podem ser confundidas, quais sejam: (a) grau de distintividade intrínseca da marca; (b) grau de semelhança das marcas; (c) legitimidade e fama do suposto infrator; (d) tempo de convivência das marcas no mercado; (e) espécie dos produtos; (f) grau de atenção do público alvo; (g) diluição.

Assim, a decisão concluiu, quanto a cada um destes critérios, o seguinte: (a) a marca Duvel e seu rótulo branco com letras góticas em vermelho era realmente distinto, ou seja, tem sua singularidade no mercado de cervejas; (b) há uma grande semelhança na impressão total entre as duas marcas, a começar pelo significado do termo, pelo fato de ambas começarem com a letra “D” e terem 5 (cinco) letras, possuírem tipografia gótica e cor vermelha; (c) a fama da Deuce no mercado cervejeiro não se compara à fama (internacional) da Duvel; (d) a Deuce é comercializada há pouco tempo no Brasil, ao contrário da Duvel, muito mais tempo em nosso país; (e) ambas são da mesma espécie, isto é, cervejas; (f) embora o público destas marcas seja especializado, há provas de que até consumidores habituais confundiram-se com as duas marcas; e, (g) a Deuce enfraqueceu o poder de distinção da Duvel no mercado, isto é, houve um aproveitamento da primeira em pretender ser associada à segunda. Agora, as fotos:

Identidade Visual

Apresentamos, primeiramente, apenas a Duvel, pois, lembrando a lição de Gama Cerqueira, importante doutrinador brasileiro, estabelecer a confusão (associação) de marcas deve observar três princípios:

“Entre estas regras encontra-se, em primeiro lugar, a do art. 95, nº 17, do Cód. da Propriedade Industrial, segundo a qual se considera ‘existente a possibilidade de erro ou confusão, sempre que a diferença entre as marcas não se evidenciem sem exame ou confrontação.’ Deste preceito se deduzem três princípios da maior importância no assunto:

1º as marcas não devem ser confrontadas e comparadas, mas apreciadas sucessivamente, a fim de se verificar se a impressão causada por uma recorda a impressão deixada pela outra;

2º as marcas devem ser apreciadas, tendo-se em vista não as suas diferenças, mas as suas semelhanças;

3º. finalmente, deve-se decidir pela impressão de conjunto das marcas e não pelos seus detalhes.”

(JOÃO DA GAMA CERQUEIRA. Tratado da Propriedade Industrial. Vol. II. Tomo II, parte III. Rio de Janeiro: Forense, 1956, p. 68 e 69).

Agora, sucessivamente, conforme o primeiro princípio de Gama Cerqueira, a imagem da identidade visual da Deuce:

Identidade Visual

A segunda lembra a primeira, ou seja, é possível associar a identidade visual de uma à outra? O todo das duas (o conjunto da imagem) é similar? Há muitas semelhanças entre elas? Deixamos ao leitor que tire suas conclusões.

Para finalizar este texto, cumpre dizer que, uma vez reconhecido o ilícito cometido pela Deuce, isto é, a imitação (associação) de marca alheia consubstanciando concorrência desleal, a decisão a condenou ao seguinte: (a) mudança de identidade visual (cores e tipografia), de modo que fique diferente da Duvel; (b) condenação ao pagamento de danos materiais (ainda não arbitrados) para a Duvel; (c) condenação ao pagamento de danos morais em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), além das custas processuais, para a Duvel. Um grande prejuízo, em resumo.

Por isso, assim como os amantes das cervejas afirmam que “cerveja não é tudo igual”, a mesma regra deve guiar a produção da identidade visual de uma marca para as empresas.

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