Marco Civil da Internet, liberdade de expressão e direitos autorais. Ricardo Kanayama publica artigo na revista Civilistica abordando esses três temas.

O Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), em seu artigo 19, § 2º, deixou para ler ordinária tratar da responsabilidade civil de provedores de internet por violação a direitos autorais. Passados mais de sete anos, ainda não há lei tratando do tema.

Assim, questiona-se: como devem agir os provedores de internet em relação a supostas infrações de direitos autorais? Ao serem notificados pelos titulares dos direitos, devem remover o conteúdo? Ou só são obrigados a fazê-lo depois de ordem judicial, como a regra geral do caput do art. 19 determina?

A resposta mais adequada a essas perguntas passa pela compreensão de pelo menos quatro temas: Marco Civil da Internet, liberdade de expressão, direitos autorais e notificação e retirada.

Esse é o objetivo do sócio Ricardo Kanayama ao escrever um artigo publicado na última revista Civilistica. O artigo chama “A liberdade de expressão do Marco Civil da Internet e o procedimento de notificação e retirada para as ‘infrações’ aos direitos autorais” O artigo integral pode ser acessado aqui.

Ricardo Kanayama defende que embora não exista lei regulamentando o tema, os provedores devem observar o princípio da liberdade de expressão para tratar das infrações aos direitos autorais. E isso porque o exercício dos direitos autorais pode, eventualmente, colidir com a o exercício da liberdade de expressão por terceiros. Portanto, o procedimento de notificação e retirada não seria o mais adequado para respeitar a liberdade de expressão

Sua conclusão decorre de três leituras. Primeiro, uma leitura histórica e teleológica do Marco Civil da Internet, que deu valor primordial à liberdade de expressão. Segundo, da interpretação atual do Supremo Tribunal Federal sobre a liberdade de expressão. Terceiro, a partir da experiência norte-americana sobre a remoção de conteúdos.


Um animal pode ser autor de obra fotográfica? Ricardo A. Kanayama analisa o acordo estabelecido no caso "Naruto", uma discussão jurídica sobre os direitos autorais de um animal.

Um animal pode ser autor de obra fotográfica?

Afinal, um animal pode ser autor de obra fotográfica? Há alguns dias, vários meios de comunicação anunciaram um acordo estabelecido no caso “Naruto”, que envolvia o fotógrafo inglês David J. Slater e o PETA (People for the Ethical Treatment of Animals) em uma discussão jurídica sobre os direitos autorais de um animal, no caso, um macaco chamado Naruto.

animal pode ser autor de obra fotográfica

No ano de 2008, Slater, conhecido por seu trabalho com paisagens e animais selvagens,
estava em Sulawesi, na Indonésia, fazendo um trabalho com macacos da região. Em busca
de fotos espontâneas, que mostrassem a interação entre um humano e macacos, Slater
instalou uma máquina fotográfica em um tripé perto do local onde os animais estavam. Em
minutos, os macacos foram ao equipamento e apertaram seus botões, de modo que vários
retratos – ou selfies – passaram a ser produzidos. Caso o leitor queira conhecer mais
detalhes da história, o site do fotógrafo conta a história e exibe uma série de belas imagens.

Com o material em mãos, Slater, assumindo a autoria – ou copyright no sistema anglo-
saxão – passou a comercializar as fotos e, evidentemente, a impedir aqueles que as
utilizavam sem autorização. Inegavelmente, a experiência rendeu fama e frutos ao
fotógrafo. O que ele não esperava era uma ação judicial nos Estados Unidos da América
proposta por uma entidade que defende os animais sob o fundamento de que, como o selfie
foi tirado pelo Naruto, apenas ele seria autor da obra fotográfica.

Em primeiro grau, decidiu-se que animais não podem ser titulares de direitos autorais. Em
tradução livre, o juiz, William H. Orrick, entendeu que “aqui [nos EUA], a Lei de
Copyright não estendeu o conceito de autoria ou direito similar aos animais. Ao contrário,
não há menção aos animais em nenhum lugar da Lei. A Suprema Corte e o Nono Circuito
repetidamente se referem a ‘pessoas’ ou ‘natureza humana’ quando tratam de autoria nos
termos legais.”

Conquanto a PETA tenha recorrido da decisão, o desfecho desta história, como já
antecipamos no começo, foi um acordo realizado entre as partes, principalmente porque o
fotógrafo não tinha mais recursos financeiros para dar continuidade à ação. No acordo,
Slater doará uma parte dos valores arrecadados com as fotografias de Naruto para
organizações de proteção aos animais. A sentença de primeiro grau, deixou de produzir
efeitos.

E, no Brasil, como a Lei de Direitos Autorais (LDA) trataria o mesmo caso? Parece-nos
que o desfecho seria similar à sentença estrangeira acima reproduzida. De fato, a nossa
legislação prevê, em seu artigo 11, que “autor é a pessoa física criadora de obra literária,
artística ou científica”. Na explicação de Denis Borges Barbosa, “um ponto em que parece
haver consenso no atual direito brasileiro é que apenas o ser humano, pessoa natural, pode
ser criador de obra e, portanto, autor.” (Direito de Autor: questões fundamentais de direito
de autor. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2013, p. 18). Em outras palavras, um animal não
pode ser autor de qualquer obra, ainda que fotográfica.

Contudo, a pergunta mais difícil no caso Naruto é saber se Slater realmente pode ser
considerado o autor da obra fotográfica, uma vez que não foi ele quem apertou o botão da
máquina, ou seja, seu “espírito” não se fez presente na obra, como exige o artigo 7º, da
LDA. Parece-nos que, tal qual uma pessoa jurídica que organiza uma obra, Slater poderia
ser considerado o titular dos direitos autorais na medida em que organizou todo o aparato
necessário para que os macacos apertassem o botão. Neste sentido, ao fotógrafo é
reconhecido o direito de explorar a obra.

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A piada pode ser engraçada, mas nem sempre é paródia para os direitos autorais Em um contexto em que o compartilhamento de conteúdos ficou fácil e rápido, diariamente recebemos vídeos contendo trechos de músicas conhecidas com suas letras alteradas ou cenas de filmes com mudanças no diálogo. Saiba mais neste artigo do Dr. Ricardo Kanayama.

Direitos Autorais

Atire a primeira pedra aquele que nunca fez ou nunca se divertiu com uma paródia. Em um contexto em que o compartilhamento de conteúdos ficou fácil e rápido, diariamente recebemos vídeos contendo trechos de músicas conhecidas com suas letras alteradas ou cenas de filmes com mudanças no diálogo. Tudo para provocar o riso e, em alguns casos, uma reflexão mais profunda sobre fatos políticos e sociais, a partir do uso obras artísticas de outros criadores.

Obras, na maior parte das vezes, protegidas pelos direitos autorais e que, como regra geral, dependeriam de “autorização prévia e expressa do autor” para utilização, conforme previsão do art. 29, da Lei 9.610/1998, conhecida como Lei de Direitos Autorais (LDA, já que é direito patrimonial exclusivo do autor “utilizar, fruir e dispor” de sua obra, conforme art. 28 desta mesma Lei. Mas, então, estamos todos nós cometendo ilícitos civis ou penais contra os direitos autorais em razão de uma mera paródia?

Muita calma nesta hora. Evidentemente, os direitos não são absolutos. No caso, existem as limitações aos direitos autorais, ou seja, usos permitidos sem que seja necessária a autorização prévia pelo titular dos direitos autorais. Dentre as limitações, no art. 47 da Lei de Direitos Autorais, está o tratamento cômico conferido a uma obra musical, audiovisual, fotográfica e afins, ou seja, a paródia. Ufa, nossa dose de humor diário ao menos está garantida, dirá o leitor mais apressado. Será mesmo?

Infelizmente, não. Conquanto protegida em lei, a paródia é, comicamente, uma incógnita nos Tribunais brasileiros. São poucos os casos que chegam às cortes e quando chegam, na maior parte dos casos, o Judiciário não enfrenta a paródia com bom humor. Em grande parte isto ocorre porque não existem critérios precisos que distingam uma paródia de uma piada engraçada, muito mais quando esta piada – chamada de paródia por quem a faz – tem finalidades comerciais, possa parecer um parasitismo para com a obra artística original ou possa lhe implicar descrédito. Na dúvida, protegem-se os direitos autorais.

Um caso recente julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), na Apelação Cível 1092453-03.2014.8.26.0100, envolveu um fato ainda na memória de muitos. Tratou-se do vídeo produzido pelo candidato a Deputado Federal Tiririca durante sua campanha eleitoral utilizando-se de trecho adaptado da música “O Portão”, de autoria de Roberto Carlos. Além da música, o candidato ainda “parodiou” (ou caricaturou) a imagem do cantor com seu terno branco, suas expressões linguísticas (“bicho”), sua risada, incluindo até um bife, já que Roberto Carlos, à época, era garoto propaganda de uma empresa de carne.

A ação contra o candidato foi ajuizada pela gravadora do cantor (EMI), titular dos direitos no caso, sob a alegação justamente de violação ao art. 28 e 29, da Lei de Direitos Autorais. Como defesa, o candidato alegou que fizera uma paródia e, portanto, não necessitaria de autorização prévia para uso. Não funcionou.

Após derrota em primeiro grau, no Tribunal a sentença foi mantida. Conforme as palavras do Desembargador Salles Rossi, relator do caso, “a utilização de trecho de obra musical (com letra originária modificada) não possuía destinação humorística. Foi claramente utilizada para fins eleitoreiros. Integrou – e isso bem assinala a r. sentença guerreada – a publicidade do então candidato demandado” (fl. 7). O resultado, em termos numéricos, foi a condenação do candidato em 20 vezes o valor que seria devido à gravadora se houvesse autorização para o uso, o que, considerando a popularidade da obra e do cantor, não seria nada baixo.

Sem discutir o mérito do caso – se se tratou ou não de uma paródia –, até porque a dificuldade de análise do tema é tanto de quem julga quanto de quem acusa ou defende, a lição que fica é exatamente a de que a piada pode ser engraçada, mas nem sempre é paródia para os direitos autorais. Por isso, a depender do uso que se pretenda fazer com a “paródia”, a cautela é essencial, pois o resultado nos Tribunais pode não ser tão engraçado ao parodista. Por outro lado, para aqueles que apenas assistem, em tese, não há responsabilização e o humor é permitido.

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