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A piada pode ser engraçada, mas nem sempre é paródia para os direitos autorais

Em um contexto em que o compartilhamento de conteúdos ficou fácil e rápido, diariamente recebemos vídeos contendo trechos de músicas conhecidas com suas letras alteradas ou cenas de filmes com mudanças no diálogo. Saiba mais neste artigo do Dr. Ricardo Kanayama.

Direitos Autorais

Atire a primeira pedra aquele que nunca fez ou nunca se divertiu com uma paródia. Em um contexto em que o compartilhamento de conteúdos ficou fácil e rápido, diariamente recebemos vídeos contendo trechos de músicas conhecidas com suas letras alteradas ou cenas de filmes com mudanças no diálogo. Tudo para provocar o riso e, em alguns casos, uma reflexão mais profunda sobre fatos políticos e sociais, a partir do uso obras artísticas de outros criadores.

Obras, na maior parte das vezes, protegidas pelos direitos autorais e que, como regra geral, dependeriam de “autorização prévia e expressa do autor” para utilização, conforme previsão do art. 29, da Lei 9.610/1998, conhecida como Lei de Direitos Autorais (LDA, já que é direito patrimonial exclusivo do autor “utilizar, fruir e dispor” de sua obra, conforme art. 28 desta mesma Lei. Mas, então, estamos todos nós cometendo ilícitos civis ou penais contra os direitos autorais em razão de uma mera paródia?

Muita calma nesta hora. Evidentemente, os direitos não são absolutos. No caso, existem as limitações aos direitos autorais, ou seja, usos permitidos sem que seja necessária a autorização prévia pelo titular dos direitos autorais. Dentre as limitações, no art. 47 da Lei de Direitos Autorais, está o tratamento cômico conferido a uma obra musical, audiovisual, fotográfica e afins, ou seja, a paródia. Ufa, nossa dose de humor diário ao menos está garantida, dirá o leitor mais apressado. Será mesmo?

Infelizmente, não. Conquanto protegida em lei, a paródia é, comicamente, uma incógnita nos Tribunais brasileiros. São poucos os casos que chegam às cortes e quando chegam, na maior parte dos casos, o Judiciário não enfrenta a paródia com bom humor. Em grande parte isto ocorre porque não existem critérios precisos que distingam uma paródia de uma piada engraçada, muito mais quando esta piada – chamada de paródia por quem a faz – tem finalidades comerciais, possa parecer um parasitismo para com a obra artística original ou possa lhe implicar descrédito. Na dúvida, protegem-se os direitos autorais.

Um caso recente julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), na Apelação Cível 1092453-03.2014.8.26.0100, envolveu um fato ainda na memória de muitos. Tratou-se do vídeo produzido pelo candidato a Deputado Federal Tiririca durante sua campanha eleitoral utilizando-se de trecho adaptado da música “O Portão”, de autoria de Roberto Carlos. Além da música, o candidato ainda “parodiou” (ou caricaturou) a imagem do cantor com seu terno branco, suas expressões linguísticas (“bicho”), sua risada, incluindo até um bife, já que Roberto Carlos, à época, era garoto propaganda de uma empresa de carne.

A ação contra o candidato foi ajuizada pela gravadora do cantor (EMI), titular dos direitos no caso, sob a alegação justamente de violação ao art. 28 e 29, da Lei de Direitos Autorais. Como defesa, o candidato alegou que fizera uma paródia e, portanto, não necessitaria de autorização prévia para uso. Não funcionou.

Após derrota em primeiro grau, no Tribunal a sentença foi mantida. Conforme as palavras do Desembargador Salles Rossi, relator do caso, “a utilização de trecho de obra musical (com letra originária modificada) não possuía destinação humorística. Foi claramente utilizada para fins eleitoreiros. Integrou – e isso bem assinala a r. sentença guerreada – a publicidade do então candidato demandado” (fl. 7). O resultado, em termos numéricos, foi a condenação do candidato em 20 vezes o valor que seria devido à gravadora se houvesse autorização para o uso, o que, considerando a popularidade da obra e do cantor, não seria nada baixo.

Sem discutir o mérito do caso – se se tratou ou não de uma paródia –, até porque a dificuldade de análise do tema é tanto de quem julga quanto de quem acusa ou defende, a lição que fica é exatamente a de que a piada pode ser engraçada, mas nem sempre é paródia para os direitos autorais. Por isso, a depender do uso que se pretenda fazer com a “paródia”, a cautela é essencial, pois o resultado nos Tribunais pode não ser tão engraçado ao parodista. Por outro lado, para aqueles que apenas assistem, em tese, não há responsabilização e o humor é permitido.

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