Um animal pode ser autor de obra fotográfica?
Um animal pode ser autor de obra fotográfica?
Ricardo A. Kanayama analisa o acordo estabelecido no caso "Naruto", uma discussão jurídica sobre os direitos autorais de um animal.
16/10/2017
Um animal pode ser autor de obra fotográfica?
Afinal, um animal pode ser autor de obra fotográfica? Há alguns dias, vários meios de comunicação anunciaram um acordo estabelecido no caso “Naruto”, que envolvia o fotógrafo inglês David J. Slater e o PETA (People for the Ethical Treatment of Animals) em uma discussão jurídica sobre os direitos autorais de um animal, no caso, um macaco chamado Naruto.
No ano de 2008, Slater, conhecido por seu trabalho com paisagens e animais selvagens,
estava em Sulawesi, na Indonésia, fazendo um trabalho com macacos da região. Em busca
de fotos espontâneas, que mostrassem a interação entre um humano e macacos, Slater
instalou uma máquina fotográfica em um tripé perto do local onde os animais estavam. Em
minutos, os macacos foram ao equipamento e apertaram seus botões, de modo que vários
retratos – ou selfies – passaram a ser produzidos. Caso o leitor queira conhecer mais
detalhes da história, o site do fotógrafo conta a história e exibe uma série de belas imagens.
Com o material em mãos, Slater, assumindo a autoria – ou copyright no sistema anglo-
saxão – passou a comercializar as fotos e, evidentemente, a impedir aqueles que as
utilizavam sem autorização. Inegavelmente, a experiência rendeu fama e frutos ao
fotógrafo. O que ele não esperava era uma ação judicial nos Estados Unidos da América
proposta por uma entidade que defende os animais sob o fundamento de que, como o selfie
foi tirado pelo Naruto, apenas ele seria autor da obra fotográfica.
Em primeiro grau, decidiu-se que animais não podem ser titulares de direitos autorais. Em
tradução livre, o juiz, William H. Orrick, entendeu que “aqui [nos EUA], a Lei de
Copyright não estendeu o conceito de autoria ou direito similar aos animais. Ao contrário,
não há menção aos animais em nenhum lugar da Lei. A Suprema Corte e o Nono Circuito
repetidamente se referem a ‘pessoas’ ou ‘natureza humana’ quando tratam de autoria nos
termos legais.”
Conquanto a PETA tenha recorrido da decisão, o desfecho desta história, como já
antecipamos no começo, foi um acordo realizado entre as partes, principalmente porque o
fotógrafo não tinha mais recursos financeiros para dar continuidade à ação. No acordo,
Slater doará uma parte dos valores arrecadados com as fotografias de Naruto para
organizações de proteção aos animais. A sentença de primeiro grau, deixou de produzir
efeitos.
E, no Brasil, como a Lei de Direitos Autorais (LDA) trataria o mesmo caso? Parece-nos
que o desfecho seria similar à sentença estrangeira acima reproduzida. De fato, a nossa
legislação prevê, em seu artigo 11, que “autor é a pessoa física criadora de obra literária,
artística ou científica”. Na explicação de Denis Borges Barbosa, “um ponto em que parece
haver consenso no atual direito brasileiro é que apenas o ser humano, pessoa natural, pode
ser criador de obra e, portanto, autor.” (Direito de Autor: questões fundamentais de direito
de autor. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2013, p. 18). Em outras palavras, um animal não
pode ser autor de qualquer obra, ainda que fotográfica.
Contudo, a pergunta mais difícil no caso Naruto é saber se Slater realmente pode ser
considerado o autor da obra fotográfica, uma vez que não foi ele quem apertou o botão da
máquina, ou seja, seu “espírito” não se fez presente na obra, como exige o artigo 7º, da
LDA. Parece-nos que, tal qual uma pessoa jurídica que organiza uma obra, Slater poderia
ser considerado o titular dos direitos autorais na medida em que organizou todo o aparato
necessário para que os macacos apertassem o botão. Neste sentido, ao fotógrafo é
reconhecido o direito de explorar a obra.
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